PIERRE, Lévy. O que é Virtual. Tradução de Paulo Neves – São Paulo: Ed.34, 9ª reimpressão. 2009
Pierre Lévy filósofo francês , professor da Universidade de Ottawa, no Canadá, é um dos mais importantes estudiosos dos efeitos das tecnologias de comunicação do mundo contemporâneo com vários livros escritos,como: Cibercultura, As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática, As árvores de conhecimentos, A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. Em seu livro “O que é o Virtual”, Lévy aborda, em nove capítulos de forma bastante abrangente, as conseqüências que a virtualização gera na sociedade moderna. Através de uma abordagem conceitual, mas ao mesmo tempo contextualizada e reflexiva, o autor desmistifica uma série de convenções, dentre elas o conceito de virtual.
O virtual seria uma potência, um “devir outro do ser humano”. O autor utiliza-se de exemplificações que vão desde aspectos econômicos, como a virtualização do mercado e da economia, a fenômenos político-sociais, como inteligência coletiva e desterritorialização, para explicar a virtualização, e a sua importância para a sociedade moderna. Para o autor, o fenômeno da virtualização afeta os corpos, a economia, a sensibilidade e a inteligência das pessoas. Prova disso é que, devido às tecnologias de comunicação, o comportamento das civilizações vem sendo modificado, ou seja: está acontecendo uma reconfiguração das civilizações, a partir dos efeitos das tecnologias de comunicação.
CAPITULO 1 – O QUE É VIRTUALIZAÇÃO?
Segundo Lévy, virtual não é o contrário de real, mas sim tudo aquilo que tem potencialidade para se concretizar. O virtual é oposto ao conceito atual. A atualização e a virtualização são dois conceitos diferentes. A atualização é uma solução de um determinado problema, um resultado de fatores que se conjugam e originam uma solução. Pierre Lévy define a atualização como “uma criação, invenção de uma forma a partir de uma configuração dinâmica de forças e de finalidades.” A virtualização é oposta à atualização, pois não se trata de uma solução, mas sim uma “mutação de entidade”, uma deslocação da entidade no espaço.
Levy nos mostra diversas comparações entre a sociedade que debate o tema do virtual e o modo de vida nômade dos tempos primitivos do Homem. Neste momento o Humano viaja no espaço sem nenhum destino específico, mas com mais possibilidades de existência. O autor refere que “o turismo é, a indústria mundial que mais lucros apresentam.” Ele lança uma questão importante - “A multiplicidade dos media e o crescimento dos débitos de comunicação substituirão a mobilidade física?” Pierre Lévy, com certeza responde que não. Quem recorre mais ao telefone, é quem convive mais no exterior, ou seja, quem faz um maior uso das tecnologias de comunicação é, também, quem se move mais no social. A virtualização não vem eliminar os espaços já existentes, vem reforçá-los com criação de novos.
A criação de espaços novos é um problema no caso das empresas virtuais onde o trabalho facilmente se mistura com o domínio privado (a sua casa). Nas empresas clássicas havia uma separação. O trabalho realizava-se no local adequado e o domínio privado, a casa, nunca era invadido pelo público, o trabalho. Nas empresas virtuais o trabalhador muitas vezes já não sabe para quem está a trabalhar pela multiplicidade de recursos que existem. As fronteiras do real deixam de existir no virtual e as regras de organização física perdem o sentido que antes tinham. Começa-se a colocar em causa as regras e por isso se pode afirmar que a virtualização é sempre heterogénese: “processo de acolhimento da alteridade.” O “efeito Moebius” retrata este aspecto: “a passagem do interior ao exterior, e do exterior ao interior
CAPÍTULO 2 - A VIRTUALIZAÇÃO DOS CORPOS
Lévy analisa em detalhe o corpo pelo caminho da virtualização, é necessário compreender conceitos como: “O real, a substância subsiste ou resiste. O possível esconde formas não manifestadas, escondidas, onde insistem. O virtual, como já foi referido, não está lá, a sua essência está na saída, ele existe. Por fim, sendo manifestação de um acontecimento, o atual ocorre a sua operação é a ocorrência. Mas também será necessário compreender o que é de fato a virtualização: “operações de problematização, de desterritorialização, de comunhão, de constituição recíproca da interioridade e de exterioridade”.
O corpo humano é agora compreendido pelo Homem através da medicina. Tornou-se um objeto modificável através de operações plásticas, dietas, drogas, hormônios, quase tudo passou a ser possível de alteração. Além disso as tecnologias de comunicação permitem ao Homem estar “aqui e ali”, estar num espaço físico e noutro ao mesmo tempo independentemente da distância pois a velocidade de transmissão é muito rápida. Convém aqui lembrar esta frase de Pierre Lévy “a sincronização substitui a unidade do espaço, a interconexão substitui a unidade do tempo,” A virtualização do corpo será uma etapa da virtualização dos desejos, atividades físicas e psíquicas necessitam de uma exterioridade que ocorre na virtualização. A exteriorização é feita por todos e na virtualização podemos ter acesso às sensações do outro, nos sistemas avançados da realidade virtual em quase tudo a experiência do outro é semelhante à nossa. Mas o Homem não parece ficar por aí. Até o corpo está a ser projetado no virtual, onde através da técnica consegue-se “reconstruir modelos numéricos do corpo em três dimensões.” Somos assim organismos híbridos - que se afastam das leis naturais – e passamos a ter um “hipercorpo”, onde tudo se partilha e tudo se adiciona e o aqui e agora tem muita importância nestes novos corpos pois todas as emoções procura-se que sejam intensas, por conseguinte, justifica-se cada vez mais a adesão a desportos radicais, de forma a evidenciar a nossa condição mortal. Lévy termina este capítulo com um parágrafo onde descreve de forma sucinta todo o processo do “hipercorpo” num texto narrativo com tonalidades poéticas: “O meu corpo é a atualização temporária de um enorme hipercorpo híbrido, social e tecnobiológico. O corpo contemporâneo é como uma chama, muitas vezes minúsculo, isolado, separado, quase imobilizado. Depois, ele sai de si mesmo, intensificado, pelos desportos ou pelas drogas, passa por um satélite, liga-se então ao corpo público e queima-se com a própria chama, brilha com a mesma luz do que os outros “corpos – chama”. De seguida, volta a si, transformado, numa esfera quase privada aqui e por todo o lado, tanto em si como misturado. Um dia, ele separa-se completamente do hipercorpo e apaga-se.”
Outra característica que corrobora a virtualização da sociedade moderna refere-se ao nosso corpo. Segundo Lévy, cada vez mais os nossos sentidos e percepções são afetados pelas tecnologias de comunicação. Nossa aparência física é alterada por próteses especiais (cirurgias plásticas, academia); nosso estado de saúde é modificado pela medicina moderna (e pelas transfusões sangüíneas); nossa capacidade física é intensificada pelos esportes radicais.
Tudo isso – próteses, transfusões, esportes radicais – são formas virtuais que o homem encontrou para fugir de sua situação atual, de sua atualidade. O autor afirma que virtual não é o contrário de real, mas o contrário de atual. Portanto, esses “aparatos tecnológicos” que melhoram nossa aparência física e nossa saúde são, também, conseqüências do virtual.
CAPITULO 3 – A VIRTUALIZAÇÃO DO TEXTO
Pierre Lévy indica-nos que o texto sempre foi um “objeto virtual.” Não está nem esteve dependente de um suporte físico específico. No entanto, apesar do texto se um “objeto virtual” quando o lemos, automaticamente atualizamos o assunto, construindo uma “paisagem semântica móvel e acidentada”
Como tecnologia intelectual a escrita virtualiza a nossa memória, não se podendo afirmar que a escrita é apenas um registo da palavra. Contudo a virtualização da memória não deverá ser confundido com o informático. O hipertexto - “matriz de textos potenciais” - apresenta-se na World Wide Web como um continuum de texto, e existe um enriquecimento na leitura pois o hipertexto além de ser um continuum de textos é também uma nova forma de apresentar o texto. “O hipertexto numérico definir-se-ia, então, como uma coleção de informações multimodais dispostas numa rede, navegável de forma rápida e intuitiva.” Existe uma desterritorialização do texto no ciberespaço, as noções de “unidade, identidade e localização” deixam de ter sentido. O ciberespaço, através do texto, acaba por ser um reflexo da sociedade. O texto projeta-se no mundo virtual através do efeito Moebius. A busca do texto no ciberespaço também é diferente. Procura-se o nosso pensamento no aqui e agora e não o pensamento do autor. Para concluir Levy escreve acerca de uma futura ideografia dinâmica que está a surgir, baseando-se nos ícones informáticos e nos jogos de vídeo.
CAPITULO 4 – A VIRTUALIZAÇÃO DA ECONOMIA
Segundo Pierre Levy na economia tudo caminha para o virtual. “A humanidade nunca consagrou tantos recursos a não estar lá.” Metade da atividade econômica mundial baseia-se nos serviços de transporte e a atividade que apresenta mais lucros é o turismo. No entanto, não é apenas esta desterritorialização que marca presença na virtualização da economia. Existem invenções ou mecanismos que acentuam a virtualização da economia: os bancos online, por exemplo. Também a informação e o conhecimento passaram a ter uma nova relevância na nova economia após a segunda guerra mundial. Tornaram-se bens primordiais. São importantes, pois assistimos a uma “emergência de uma economia de abundância” e o conhecimento e a informação pode proporcionar outro tipo de riqueza que não se pensava na “economia de raridade.” Ora, mas o que é a informação? Virtual ou imaterial? A informação não é material nem imaterial, trata-se de uma ocorrência. A informação é virtual, pois existe “uma separação de um aqui e agora particulares, passagem ao domínio público e, sobretudo, heterogénese.” Mas na virtualização da economia até o modo de pagamento do trabalhador se altera. O trabalho deixa de ser pago à hora, para ser pago consoante a competência de cada indivíduo, o seu potencial. Com a crescente informação coloca-se a questão do copyright. No caso do texto o que se pagava era o suporte físico do mesmo e não o texto em si. Lévy afirma que a perspectiva é pagarmos pela utilização e não pelo objeto em si. Existe assim “uma passagem de uma propriedade territorial rígida a uma retribuição de flutuações desterritorializadas, e a transformação de uma economia de valor de troca em economia de valor de uso.” A outra solução apresentada é haver um pagamento da atualização do hipertexto, uma forma de ele ser entendido. Nesta nova economia existe um macropsiquismo que se forma: “operações do pensamento, emoções, conflitos, entusiasmos, ou esquecimentos” que é decomposto pelo autor analisando a sua conectividade, semiótica, axiologia e energética.
No campo da economia, merece destaque a tendência atual do mundo de negócios: com a desterritorialização, o turismo passou a ser um dos ramos mais lucrativos da economia, devido ao constante fluxo de pessoas pelas diferentes regiões do mundo. Segundo Lévy, a era do virtual fez com que a sociedade voltasse a ser nômade, tendo uma movimentação constante em torno do globo, o que ele chama de "instabilidade social".
Ainda na economia, outro fator a destacar é a crescente valorização de transações financeiras virtuais, nas quais negócios bilionários são feitos através de sistemas online, sem que nenhuma moeda passe pelas mãos dos envolvidos na transação. Portanto, a internet criou também novas tendências de mercado para o mundo, mudando completamente a relação de compra e venda.
CAPITULO 5 – AS TRÊS VIRTUALIZAÇÕES QUE FIZERAM O HUMANO: A LINGUAGEM, A TÉCNICA E O CONTRATO
Lévy desenvolve o que diz ser “um retomar da autocriação da humanidade.” Esta autocriação da humanidade é possível pelo fato de existirem três processos de virtualização que permitiram o desenvolvimento da linguagem, das instituições e da técnica. Importa indicar que a linguagem é a virtualização do aqui e agora, a técnica é a virtualização da ação e o contrato a virtualização da violência. A humanidade recriasse através de processos de virtualização que permitem a organização de uma sociedade mais evoluída.
CAPITULO 6 – AS OPERAÇÕES DA VIRTUALIZAÇÃO O TRÍVIO ANTROPOLOGICO
Pierre Lévy neste capítulo faz uma comparação entre o Trivium, do ensino liberal da Antiguidade: a retórica, a dialética e a gramática e a virtualização. Indica que a gramática constitui a fundamentação da virtualização, a retórica projeta o virtual, e a dialética é o que une o virtual, sistema de signos, ao mundo objetivo. “Um caso de virtualização fora de tempo”.
CAPITULO 7- A VIRTUALIZAÇÃO DA INTELIGÊNCIA E A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO
Lévy acredita ser no aspecto cognitivo onde o impacto das novas tecnologias de comunicação afeta o ser humano. Para ele, a virtualização proporciona grandes alterações na inteligência das pessoas, ao possibilitar uma maior troca de experiências e uma maior interação entre indivíduos de diferentes partes do mundo. Mas essas alterações cognitivas começaram há bastante tempo, desde as primeiras mudanças no estágio de comunicação da sociedade. Quando a comunicação prioritariamente oral foi acrescida pela linguagem escrita, tivemos aí a primeira virtualização. Em seguida, com a introdução do alfabeto, e posteriormente da imprensa, novamente o virtual esteve presente.
CAPITULO 8- A VIRTUALIZAÇÃO DA INTELIGÊNCIA E A CONSTITUIÇÃO DO OBJETO
Ao contrário das abelhas, dos cupins e das formigas – exemplo de Pierre Lévy para tratar da inteligência coletiva – somos seres conscientes e emotivos. Pensamos, reagimos emocionalmente, temos liberdade para reinventar o mundo. A formiga é “obediente e beneficiária, ela apenas participa.” Os Homens partilham de uma inteligência social que permite terem uma noção do todo, uma mundivisão. E possível a cada um deles alterar um pouco da realidade social que o envolve.
Na sua teoria do virtual Lévy indica que existe um objeto que potencia a virtualização: o ciberespaço. “É um objeto comum, dinâmico, construído, (ou, pelo menos, alimentado) por todos aqueles que o usam. Adquiriu este caráter de “não separação” por ter sido fabricado, aumentado, melhorado pelos informáticos que foram, inicialmente, os seus principais utilizadores. O ciberespaço é uma virtualização da realidade, onde o Homem ainda ganha mais liberdade para essas alterações, um espaço onde a heterogénese – conceito marcante neste livro – acontece. A inteligência coletiva.
Com as novas tecnologias de comunicação, como a internet, a sociedade deu mais um salto rumo ao virtual. Portanto, a virtualização afeta o cognitivo das pessoas. E em última instância, acontece o que Lévy chama de “inteligência coletiva”, também potencializada pelas novas tecnologias de comunicação. Esse fenômeno é marcado por uma maior interatividade entre as pessoas; uma constante troca de conhecimentos que gera um conhecimento coletivo, aperfeiçoado, dinâmico. Logo, um conhecimento que está acessível a todos.
CAPITULO 9 – O QUADRÍVIO ONTOLOGICO: A VIRTUALIZAÇÃO, UMA TRANSFORMAÇÃO ENTRE OUTRAS
No último capítulo Pierre Lévy deixa um quadro elucidativo de toda a base da sua teoria. Existem as substâncias por um lado. O potencial (pólo do latente), conjunto de possíveis predeterminados realiza-se no real (pólo do manifesto), nas coisas persistentes. Por outro lado existem os acontecimentos. O virtual, problemas, tendências, constrangimentos, forças e afins atualizam-se no atual, solução particular de um problema aqui e agora.
O aqui e agora e a sua mudança de identidade para um ciberespaço onde tudo é possível e atualizável. A existência não se coloca em causa, apesar de não haver substância: trata-se de uma ocorrência. Pierre Lévy confessa no epílogo que ainda tentava entrar no virtual e com ironia acaba o livro com um: “Bem-vindos ao caminho do virtual!”
Lévy mostra a quem lê o seu livro um novo caminho para a descoberta do virtual. Dá uma imagem positiva do conceito e acima de tudo retira a idéia asfixiante e negativa que paira sobre o virtual. Transforma o virtual num conceito com uma carga axiológica neutra e liberta o ciberespaço para a criação livre e heterogênea.
Por- Elicene Ribeiro Matos de Oliveira
Aluna do Curso de Especialização em Tecnologias e Novas Educações
Módulo I –Dimensão Estruturante das Tecnologias